BREVES OBSERVAÇÕES ACERCA DO ESTATUTO DAS EMPRESAS PÚBLICAS E DAS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA DE QUE TRATA A LEI Nº 13.303/2016
Por Maria Lúcia Miranda Alvares
Em tênue leitura da Lei nº 13.303,
de 30 de junho de 2016, publicada no dia 1º de julho seguinte, que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa
pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observa-se alguns
pontos que parecem não se coadunar com o espaço constitucional traçado para ter
ensejo a atuação legislativa nos moldes operacionalizados.
Sim,
porque a mencionada lei, embora não decline em sua ementa, nada mais concretiza do que o marco regulatório de que versa o Art. 173, § 1º, da Constituição da República, norma base para
atuação legislativa, que assim dispõe:
Art. 173. Ressalvados os casos
previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo
Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança
nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da
sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de
bens ou de prestação de serviços, dispondo
sobre:
I - sua função social e formas
de fiscalização pelo Estado e pela sociedade;
II - a sujeição ao regime jurídico próprio
das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis,
comerciais, trabalhistas e tributários;
III - licitação e contratação
de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da
administração pública;
IV - a constituição e o
funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de
acionistas minoritários;
V - os mandatos, a avaliação de
desempenho e a responsabilidade dos administradores.” (grifei)
Ora, a regra constitucional é clara ao
dispor que o estatuto das empresas públicas e das sociedades de economia mista
diz respeito àquelas destinadas à exploração
de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de serviços,
norma esta responsável pela sedimentação da jurisprudência pátria no sentido de
traçar um diferencial entre estas e aquelas prestadoras
de serviço público, a saber:
“Distinção entre empresas estatais
prestadoras de serviço público e empresas estatais que desenvolvem atividade
econômica em sentido estrito. (...). As sociedades de economia mista e as
empresas públicas que explorem atividade econômica em sentido estrito estão
sujeitas, nos termos do disposto no § 1º do art. 173 da Constituição do Brasil,
ao regime jurídico próprio das empresas privadas. (...). O § 1º do art. 173 da
Constituição do Brasil não se aplica às empresas públicas, sociedades de
economia mista e entidades (estatais) que prestam serviço público.” (ADI 1.642, rel. min. Eros Grau, julgamento em
3-4-2008, Plenário, DJE de 19-9-2008.) No
mesmo sentido: ARE
689.588-AgR, rel. min. Luiz Fux, julgamento em 27-11-2012, Primeira
Turma, DJE
de 13-2-2012) (grifei)
Não
obstante essa premissa básica, a Lei nº 13.303/2016 alberga em sua abrangência “toda e qualquer empresa pública e sociedade
de economia mista da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
que explore atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de
prestação de serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime
de monopólio da União ou seja de
prestação de serviços públicos” (Art. 1º).
À
primeira vista parece de somenos importância essa inclusão. Mas não é.
Senão vejamos.
A Constituição Federal prescreve que a Administração Pública Direta e Indireta sujeitam-se, dentre outras condições previstas no seu Art. 37, ao "processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei" (inciso XXI). Dispõe, ainda, a Constituição, que compete a União legislar, privativamente, sobre "normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III" (Art. 22, inciso XXVII).
A empresas estatais, portanto, por imperativo de ordem constitucional, estão sujeitas às normas previstas do Art. 37, da Carta Política sendo que, no campo das licitações e contratações de bens e serviços, a sujeição é excepcionada para observar o Art. 173, § 1º, inciso III - com redação dada Emenda Constitucional nº 19/98, que reformou a regra com nítida intenção de estabelecer um regime jurídico específico às empresas estatais exploradoras de atividade econômica. Aguardava-se, portanto, o estatuto competente para tal fim.
Pois bem, a Lei nº 13.303/2016 vem estabelecer o tão esperado estatuto jurídico de que cuida o § 1º do Art. 173 da Constituição, muito embora não decline expressamente do fundamento que lhe confere ensejo. E talvez não o tenha feito propositalmente em razão de sua abrangência, pois fez incluir no campo de incidência não somente as empresas públicas exploradoras de atividade econômica, como as prestadoras de serviço público de todas as esferas de governo.
Ora, sabe-se que a Lei nº 8.666/93, editada antes da Reforma Administrativa de 1998, trouxe normas gerais de licitações e contratações públicas, abrangendo as empresas públicas e sociedades de economia mista da União, Estados e Municípios, materializando, portanto, o disposto no Art. 22, inciso XXVII, da Constituição. A Lei nº 13.303/2016, entretanto, não tem essa conformação e tampouco o fundamento constitucional que lhe dá sustentação (Art. 173, § 1º, da CF) autoriza a largura de sua incidência, (i) seja porque não é aplicável às empresas estatais prestadores de serviço público; (ii) seja porque não imprime competência para legislar para todos os entes da federação.
No que tange ao primeiro aspecto, em que pese não existir, em tese, obstáculo jurídico para se dimensionar um regime diferenciado para as empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de servidor público, este já ocorreu por meio da Lei nº 8.666/93, por força da sua natureza - o regime destas empresas encontra ressonância com o sistema jurídico por ela trazido, que lhe é perfeitamente aplicável. Aliás, a reforma do § 1º do Art. 173 da Constituição, patrocinada pela EC nº 19/98, trouxe imanente a possibilidade de existência de apenas dois regimes diferenciados de licitações e contratações, um para a Administração Pública direta e indireta prestadora de serviços públicos, e outro para fazer face à dinâmica de atuação das empresas estatais que desenvolvem atividade econômica. Não sendo assim, ter-se-á por esvaziado o próprio campo de incidência da Lei nº 8.666/93, que assim prevê:
Senão vejamos.
A Constituição Federal prescreve que a Administração Pública Direta e Indireta sujeitam-se, dentre outras condições previstas no seu Art. 37, ao "processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei" (inciso XXI). Dispõe, ainda, a Constituição, que compete a União legislar, privativamente, sobre "normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III" (Art. 22, inciso XXVII).
A empresas estatais, portanto, por imperativo de ordem constitucional, estão sujeitas às normas previstas do Art. 37, da Carta Política sendo que, no campo das licitações e contratações de bens e serviços, a sujeição é excepcionada para observar o Art. 173, § 1º, inciso III - com redação dada Emenda Constitucional nº 19/98, que reformou a regra com nítida intenção de estabelecer um regime jurídico específico às empresas estatais exploradoras de atividade econômica. Aguardava-se, portanto, o estatuto competente para tal fim.
Pois bem, a Lei nº 13.303/2016 vem estabelecer o tão esperado estatuto jurídico de que cuida o § 1º do Art. 173 da Constituição, muito embora não decline expressamente do fundamento que lhe confere ensejo. E talvez não o tenha feito propositalmente em razão de sua abrangência, pois fez incluir no campo de incidência não somente as empresas públicas exploradoras de atividade econômica, como as prestadoras de serviço público de todas as esferas de governo.
Ora, sabe-se que a Lei nº 8.666/93, editada antes da Reforma Administrativa de 1998, trouxe normas gerais de licitações e contratações públicas, abrangendo as empresas públicas e sociedades de economia mista da União, Estados e Municípios, materializando, portanto, o disposto no Art. 22, inciso XXVII, da Constituição. A Lei nº 13.303/2016, entretanto, não tem essa conformação e tampouco o fundamento constitucional que lhe dá sustentação (Art. 173, § 1º, da CF) autoriza a largura de sua incidência, (i) seja porque não é aplicável às empresas estatais prestadores de serviço público; (ii) seja porque não imprime competência para legislar para todos os entes da federação.
No que tange ao primeiro aspecto, em que pese não existir, em tese, obstáculo jurídico para se dimensionar um regime diferenciado para as empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de servidor público, este já ocorreu por meio da Lei nº 8.666/93, por força da sua natureza - o regime destas empresas encontra ressonância com o sistema jurídico por ela trazido, que lhe é perfeitamente aplicável. Aliás, a reforma do § 1º do Art. 173 da Constituição, patrocinada pela EC nº 19/98, trouxe imanente a possibilidade de existência de apenas dois regimes diferenciados de licitações e contratações, um para a Administração Pública direta e indireta prestadora de serviços públicos, e outro para fazer face à dinâmica de atuação das empresas estatais que desenvolvem atividade econômica. Não sendo assim, ter-se-á por esvaziado o próprio campo de incidência da Lei nº 8.666/93, que assim prevê:
“Art. 1o Esta Lei estabelece normas
gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras,
serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito
dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. (grifei)
Não
é demais lembrar que a jurisprudência do Tribunal de Contas da União se
sedimentou no sentido de que as empresas públicas e as sociedades de economia
mista exploradoras de atividades econômicas estavam sujeitas aos
princípios licitatórios estabelecidos na Lei nº 8.666/93 até a edição da norma
prevista no § 1º do Art. 173 da Lei nº 8.666/93, salvo situações comprovadas de
risco ou prejuízo à atividade finalística dessas empresas[1]. Não se cogitou que as
empresas estatais prestadores de serviço público, não subordinadas ao Art. 173, § 1º, da
Constituição, pudessem ser
excluídas da incidência das regras da Lei nº 8.666/93, como assim o fez a Lei
nº 13.030/2016, por não estar sujeita, em sede constitucional, ao citado
estatuto jurídico.
No que tange ao segundo ponto, a abrangência da Lei nº 13.303/98 às empresas estatais estaduais, distrital e municipais, parece ferir o pacto federativo, eis que não se encontra permissão constitucional (Art. 22) para a União estabelecer estatuto jurídico para essas entidades. Veja que a citada Lei não trata de regras gerais de licitações e contratos, mas de estatuto jurídico dessas empresas, no formado trazido pelo Art. 173, § 1º, da Constituição. E o momento político não pode se erigir como justificativa para tal proceder. Longe disso, o momento é de cumprimento das regras constitucionais.
Outro ponto a destacar, diz respeito ao fato de o Estatuto ser omisso, em muitos aspectos, ao delineamento do roteiro traçado pelo § 1º do Art. 173 da Constituição, dentre os quais se pode citar os detalhamentos relativos à equivalência do regime com a iniciativa privada de que cuida o inciso II do § 1º do Art. 173 da Constituição.
No que tange ao segundo ponto, a abrangência da Lei nº 13.303/98 às empresas estatais estaduais, distrital e municipais, parece ferir o pacto federativo, eis que não se encontra permissão constitucional (Art. 22) para a União estabelecer estatuto jurídico para essas entidades. Veja que a citada Lei não trata de regras gerais de licitações e contratos, mas de estatuto jurídico dessas empresas, no formado trazido pelo Art. 173, § 1º, da Constituição. E o momento político não pode se erigir como justificativa para tal proceder. Longe disso, o momento é de cumprimento das regras constitucionais.
Outro ponto a destacar, diz respeito ao fato de o Estatuto ser omisso, em muitos aspectos, ao delineamento do roteiro traçado pelo § 1º do Art. 173 da Constituição, dentre os quais se pode citar os detalhamentos relativos à equivalência do regime com a iniciativa privada de que cuida o inciso II do § 1º do Art. 173 da Constituição.
Os
pormenores do Estatuto ficaram por conta das regras que cuidam da licitação e da
contratação por essas empresas, cuja tentativa de flexibilizar resvalou por
demonstrar pouca afinidade com as necessidades estatais, que primam por muito mais do que combinações de regras já existentes. Mas já é um começo, ainda que conturbado.
Essas as sintéticas linhas do que se observou em uma primeira leitura da Lei nº 13.303/2016.
[1]
Acórdãos TCU
Plenário nºs 403/2004, 1.390/2004, 1.663 /2005, 392/2006, 266/2007, 501/2007 e
920/2007, 2384/2015-2ª Câmara e muitos outros.
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