Por Maria Lúcia Miranda Alvares[1]
Resumo: Quando o servidor público é contemplado com
a concessão de licença para trato de interesses particulares ou é submetido a
outro tipo de licença sem remuneração não imagina que pode
estar suprimindo, para o efeito de aposentadoria, um ou mais requisitos que lhe
conferem ensejo à implementação das condições prescritas para tal fim; assim
como não percebe que esse tipo de licença pode afetar outras áreas de sua
relação funcional, de modo que este artigo visa oferecer luzes sobre o tema,
trazendo à baila interpretação da legislação alicerçada na jurisprudência
pátria.
PALAVRAS CHAVE: licença sem vencimentos;
acumulação de cargos; processo disciplinar; abono de permanência; tempo de
contribuição; tempo de serviço público.
(i) Da Contextualização do tema
A Constituição e as legislações
estatutárias fazem previsão de períodos de interrupção ou suspensão da
prestação do serviço em face de motivos relevantes. Esses períodos são direitos
vinculados a diversas naturezas. Alguns são de ordem geral, outros de cunho
específico, outros dependem de requerimento, outros dele independem, alguns
exigem a comprovação de determinada circunstância de fato e de direito e outros
requisitam, apenas, a ação administrativa correspondente.
É importante registrar, desde
logo, que a conotação emprestada aos termos interrupção/suspensão da
prestação do serviço tem o cunho real. Ou melhor, está a designar o
período em que o servidor deixa de desempenhar as suas funções em caráter
efetivo, o que não significa que esse tempo, em face de autorização legal, não
possa ser considerado como de efetivo exercício, pois é a
legislação estatutária que traçará os efeitos jurídicos de cada qual[2]
Pois bem, estão inseridos nesses
direitos as férias, as licenças e os afastamentos. Neste
ensaio o foco está centrado nas licenças sem vencimento, de modo que
o primeiro passo para qualquer interpretação a ser conferida às normas que
regem a sua concessão é conhecer e entender a sua natureza.
A saber:
Licenças são períodos de
interrupção ou de suspensão do exercício do cargo público em razão de motivos
previstos nas legislações estatutárias, a ocorrer nos prazos e condições
indicados em lei. Contrariamente às férias, que correspondem a períodos
de descanso geral devido a todos os servidores, então fixados em escala
elaborada pela Administração, as licenças possuem natureza particular e são
autorizadas em caráter personalíssimo ao servidor que demonstra a existência
dos motivos que lhes dão ensejo. Na Lei n° 8.112/90 - Estatuto Federal – são
previstas as seguintes licenças:
“ Art. 81. Conceder-se-á ao servidor licença:
I - por motivo de doença em pessoa da família;
II - por motivo de afastamento do cônjuge ou
companheiro;
III - para o serviço militar;
IV - para atividade política;
V - para capacitação;
VI - para tratar de interesses particulares;
As licenças são concedidas, portanto, em face
de motivos previstos no Estatuto, observadas as condições ali fixadas. Algumas
dessas licenças são consideradas como de efetivo exercício, enquanto outras
assim não o são. Algumas são remuneradas, outras não. Logo, cada licença possui
motivo e natureza diversa e, como tal, tratamento diferenciado no que tange aos
seus efeitos jurídicos.
Não obstante a diversidade de
cada qual, existe um aspecto jurídico comum a todas as
licenças, qual seja: o servidor, ainda que licenciado, continua a manter vínculo
jurídico com a Administração Pública. E, por conta da permanência
do vínculo, lhe é facultado, se a licença ocorrer sem remuneração, o
recolhimento mensal do valor da contribuição devida pelo exercício do cargo,
conforme previsto no § 3º do Art. 183 da Lei n° 8.112/90, incluído pela Lei n°
10.667/2003, recentemente alterado pela Medida Provisória nº 689, de 31 de
agosto de 2015, cujo prazo de validade expirou em 7 de fevereiro de 2016 sem
que tenha havido apreciação da matéria pelo Congresso Nacional[4].
As licenças comportam, ainda, regras
gerais. São elas: a) é possível o exercício de atividade remunerada no
período em que o servidor estiver licenciado, ressalvada a hipótese de licença
por motivo de doença em pessoa da família (§ 3º do Art. 81 da Lei nº 8.112/90),
além de observadas as regras de acumulação de cargos; e b) a licença concedida
dentro do prazo de 60 dias do término de outra da mesma espécie será
considerada como prorrogação (art. 82, da Lei nº 8.112/90).
A par dos elementos postos,
verifica-se que as licenças não remuneradas, a exemplo da licença para trato de
interesses particulares, da licença para acompanhar cônjuge ou companheiro e da
licença para o desempenho de mandato classista e outras, são lacunas
de tempo no exercício do cargo público que acarretam efeitos
importantes na vida do servidor, seja no campo dos direitos, seja no campo dos
deveres e restrições que o vinculam. E é sobre os efeitos jurídicos dessas
licenças, concedidas por força de lei ao servidor público, que se tratará neste
ensaio, adotando-se, para melhor conduzir o estudo, três importantes pontos de
análise: (ii) efeitos quanto ao direito ao cargo e ao seu exercício; (iii)
efeitos para concessão de aposentadoria e vantagens decorrentes do direito à
inativação; e (iv) efeitos no campo disciplinar. As conclusões apenas devem
sintetizar o que for tratado em cada ponto.
(ii) Efeitos quanto ao direito
ao cargo e ao seu exercício
Ao tomar posse o candidato se investe na
função pública e, como tal, passa a deter a condição de servidor público. Essa
condição lhe garante, em tese, o direito ao cargo, assim
considerado o direito de se opor ao Estado quando este, por qualquer
motivo, tenta privá-lo do seu exercício, de sua ocupação.
Esse direito,
entretanto, deve ser visto com cautela, na medida em que o
interesse público - assim entendido sob a concepção de uma sociedade
plural - deve preponderar diante de uma gama de situações postas no
mundo fenomênico, tais como a desnecessidade do cargo público frente à
conjuntura política, social e econômica do país; as questões de ordem
orçamentária e financeira do ente público e alguns outros decorrentes da
permissividade legislativa que, certamente, não estão afetos à discricionariedade
do gestor público, esta sim, inviabilizadora de ser erigida como
motivação válida para fazer frente ao direito alcançado pelo titular da função.
Outro
elemento a ser levado a cotejo para análise da efetividade desse direito se
assenta na natureza do cargo público, pois o provimento de cargo
público pode ocorrer em caráter efetivo ou em comissão, de modo que o servidor
pode ou não gozar desse direito em face da natureza do cargo que
exerce. Assim: (a) em relação aos cargos efetivos, o caráter de
permanência desses cargos, que confere ao servidor a possibilidade de vir a se
tornar estável no serviço público, empresta a conotação de direito
ao cargo; enquanto que (b) em relação aos servidores
comissionados, de vínculo precário e demissíveis ad nutum,
não se vislumbra tal direito, ainda que sua escolha tenha sido pautada em
seleção interna.
O exercício, nos termos da Lei n°
8.112/90 é o direito ao desempenho das atribuições do cargo e deve ocorrer,
em regra, tão logo o servidor seja empossado. Não obstante, a Lei n° 8.112/90
confere ao servidor o prazo de 15 dias, contados da data da posse, para entrar
em exercício (§ 1° do Art. 15). Não tendo assumido o exercício do cargo no
prazo legal, o servidor será exonerado ex officio (§ 2° do Art. 15 c/c o
parágrafo único, inciso II, do Art. 34).
Desta feita, o servidor pode entrar em
exercício assim que tomar posse, pode entrar em exercício dentro do prazo legal
ou até mesmo pode não entrar em exercício. É uma faculdade que a lei lhe
oferece. Se entrar em exercício, assume o cargo de fato, pois de direito já
assumiu no momento da posse, tanto que, se não entrar em exercício, a
ação possível por parte da Administração é a exoneração ex officio, eis que já
detém a condição de servidor.
Sob tal
perspectiva, vale ressaltar que além do direito ao cargo e do direito
ao exercício, existem direitos
que se fundam no cargo público, como readaptação, a reintegração, a
recondução, a reversão; e direitos que se fundam no exercício do cargo,
como o direito à estabilidade, à contagem do tempo de serviço; o direito aos estipêndios
e o direito ao descanso e/ou às interrupções e suspensões do tempo de serviço[5].
As licenças são direitos que se fundam
no exercício do cargo. Portanto, em regra, o servidor a elas tem jus tão
somente porque tomou posse e entrou no exercício do
cargo, cabendo ressaltar que o exercício pode advir, inclusive, do direito à
concessão de uma licença considerada como de efetivo exercício. Exemplo: uma
servidora grávida que logo após a posse dá à luz a seu filho tem o direito de entrar
de licença à gestante, que é considerada como tempo de efetivo exercício para a
finalidade de que cuida o Art. 15, da Lei n° 8.112/90, sem que efetivamente
tenha iniciado o desempenho de suas atribuições. Nesse caso, há que se
considerar o efetivo exercício do cargo a inviabilizar a exoneração ex
offcio.
Existem licenças, entretanto, que requisitam,
além da posse e do exercício, a implementação de outras condições, como é o
caso da licença para trato de interesses particulares (art. 91 da Lei nº
8.112/90), somente possível de ser concedida aos servidores que não estejam em
estágio probatório. Para sua concessão, portanto, é necessário o preenchimento
do suposto de fato que lhe autoriza.
A par desse breve panorama, fácil é perceber
que o servidor licenciado, ainda que sem remuneração, não perde o vínculo com a
Administração Pública. Por mais que a licença a gozar seja para interesse
particular, o servidor continua a manter com a Administração as amarras que lhe
conferiu direito à própria licença. Tem direito ao cargo e ao próprio
exercício, pois possui a prerrogativa de retornar após o fim da condição levada
a cotejo para o seu usufruto. Há muito o Supremo Tribunal Federal deixou
assente essa diretriz. Ei-la:
EMENTA: SERVIDOR PÚBLICO.
ACUMULAÇÃO DE DOIS CARGOS DE ENFERMEIRO. ART. 17, § 2º, DO
ADCT/88. LICENÇA PARA TRATO DE INTERESSES PARTICULARES.
1 - O fato de o servidor encontrar-se
licenciado para tratar de interesses particulares não
descaracteriza o seu vínculo jurídico, já que a
referida licença somente é concedida a critério da administração e
pelo prazo fixado em lei, podendo, inclusive, ser interrompida, a qualquer
tempo, no interesse do serviço ou a pedido do servidor.
[...]
3 - Recurso extraordinário não conhecido. (RE 180597 / CE – CEARÁ, Relator: Min. ILMAR GALVÃO
Julgamento: 18/11/1997, DJ de 28/2/1998 – grifo nosso)
Julgamento: 18/11/1997, DJ de 28/2/1998 – grifo nosso)
Nesse sentido, o servidor
licenciado sem remuneração mantém o seu direito ao cargo, pois a ele se mantém
vinculado. Quanto ao exercício, o servidor possui, de igual sorte, a
prerrogativa de retomá-lo. A questão maior que exsurge quanto aos efeitos
jurídicos vinculados ao exercício diz respeito aos direitos que nele se fundam,
como o direito à estabilidade, à contagem do tempo de serviço e ao próprio
direito aos estipêndios.
Em relação aos estipêndios ou
remuneração, sabe-se que este é o primeiro efeito da licença sem vencimentos. O
servidor, quando tem concedida a licença, sabe que não tem jus à sua
remuneração pelo prazo em que estiver licenciado.
A estabilidade, por seu turno, é um direito
que emana do tempo de exercício no cargo público. Em regra, as licenças sem
remuneração são concedidas ao servidor que não se encontra em estágio
probatório, a exemplo da licença para trato de interesses particulares.
Mas existem licenças sem remuneração que podem ser concedidas no curso do
estágio, como a licença para acompanhar cônjuge ou companheiro.
Nesse ponto, vale abrir um parêntese para
esclarecer a diferença entre estabilidade e estágio probatório.
A estabilidade ocorre no serviço público
enquanto o estágio se relaciona ao cargo que está sendo exercido pelo servidor,
período em que ele é avaliado no desempenho de seu mister com vistas à sua
confirmação no cargo. O estágio probatório é um período de observação em que se
avalia se o servidor possui os predicados necessários, a aptidão para o exercício
da função pública. Pode-se dizer que o estágio probatório equivale, em tese, a
uma etapa do concurso público para o cargo em que o servidor logrou aprovação,
na medida em que a sua inabilitação, verificada no decorrer do período, faz
gerar não somente a exoneração ex officio do servidor, como a
possibilidade de retorno ao cargo anteriormente ocupado, no caso
de o servidor ser estável no serviço público. O período de estágio probatório é
de três anos, nos termos do art. 41 da Constituição, com redação da EC nº 19/98
c/c o art. 28 da citada Emenda. O servidor aprovado no estágio probatório
adquire a estabilidade no serviço público – que, igualmente, é de três anos de efetivo
exercício - e mantém essa estabilidade ainda que logre êxito em outro concurso
para provimento de cargo efetivo distinto e se sujeite a novo período de estágio
probatório.
Dito isso, evidencia-se que o servidor pode
ser estável no serviço público, mas pode não ter direito à licença
para trato de interesses particulares porque está sujeito a um novo
estágio probatório, por conta de provimento em novo cargo[6]. Nesse caso, a licença nem
ao menos pode ser concedida, conforme se depreende, inclusive, do § 4º do art.
20 da Lei nº 8.112/90, que exclui do rol das licenças permitidas no estágio
probatório a motivada para trato de interesses particulares. Ei-lo:
“Art.
20...................
§ 4o Ao
servidor em estágio probatório somente
poderão ser concedidas as licenças
e os afastamentos previstos nos arts.
81, incisos I a IV, 94, 95 e 96, bem assim afastamento para participar de
curso de formação decorrente de aprovação em concurso para outro cargo na
Administração Pública Federal.[7] (grifo nosso)
§ 5o O
estágio probatório ficará suspenso durante
as licenças e os afastamentos previstos nos arts. 83, 84, § 1o, 86 e 96, bem assim na hipótese de
participação em curso de formação, e será retomado a partir do término do
impedimento. (grifo nosso)
Em relação à contagem do
tempo de serviço, importa dizer que o efeito primeiro de qualquer licença é o
seu registro nos assentamentos funcionais.
Quando o servidor
entra em exercício tem início a contagem do tempo em que desempenha as suas
atribuições, então auferido e controlado por meio da denominada folha de
frequência. É à vista da folha de frequência que o tempo
de serviço do servidor é anotado nos seus assentamentos funcionais. Na verdade,
tudo o que ocorre na vida funcional do servidor é registrado nos seus
assentamentos funcionais, que nada mais é do que um arquivo, informatizado ou
não, onde se encontram os registros de todos os momentos da vida do servidor de
interesse funcional.
Pois bem, esse
tempo de serviço, segundo a legislação estatutária (Art. 101, da Lei nº
8.112/90) deve ser apurado em dias e convertidos em anos, considerando o ano
trezentos e sessenta e cinco dias.
A par da
sistemática, cabe lembrar que existem alguns tipos de afastamentos ou de
licenças que são considerados como de efetivo exercício (Art. 102, da Lei nº
8.112/90), de modo que, na constância de uma das hipóteses elencadas na
regra estatutária há que se considerar o servidor como se estivesse de efetivo
exercício. Ou seja, registra-se a licença ou o afastamento nos
assentamentos funcionais, mas a apuração do tempo respectivo é
realizada como de efetivo exercício, de forma contínua, sem interrupção.
Em outros casos, a licença não é computada como de efetivo exercício, hipótese
da licença para trato de interesses particulares e da licença para acompanhar
cônjuge ou companheiro sem remuneração. Essas licenças são registradas e os
respectivos períodos são descontados do tempo de serviço do servidor.
Esse desconto do tempo de serviço não é considerado, entretanto, como
quebra de vínculo, seja do vínculo jurídico funcional, seja do
previdenciário.
A contagem do
tempo de serviço, desta feita, observa o que a lei dispõe. Assim, fácil é
concluir que o tempo de serviço é uma ficção jurídica. Ou melhor,
é fato que tem no tempo pretérito a hipótese de incidência de uma
regra jurídica que, em aplicação concreta, declara e constitui direito e, por
consequência, produz efeitos jurídicos. Assim é que o tempo de serviço pode ser
contado para usufruto de férias, de licenças, para percepção de gratificações
ou para o gozo de outros direitos previstos na legislação estatutária.
Sob tal alicerce,
percebe-se que as licenças sem remuneração, quando não consideradas como tempo
de efetivo exercício, são registradas e excluídas da contagem
e, como tal, o período correspondente deixa de produzir efeitos para uma gama
de direitos, como se verá como maiores detalhes no tópico seguinte. De toda
sorte, ainda que essas licenças sejam excluídas do tempo de serviço em razão da
suspensão temporária do exercício, permanece inalterado o direito do servidor ao
cargo e ao próprio exercício[8], não existindo interrupção
ou descontinuidade de vínculo jurídico, conforme, inclusive, deixa assente o art.
70, da Orientação Normativa MPS nº 2, de 31 de março de 2009, do Ministério da
Previdência Social, que estabelece regras aplicáveis aos Regimes Próprios de
Previdência Social no que se refere à concessão de aposentadoria pelas regras
de transição. Ei-lo:
Art. 70. Na fixação da data de ingresso no serviço
público, para fins de verificação do direito de opção pelas regras de que
tratam os arts. 68 e 69, quando o servidor tiver
ocupado, sem interrupção, sucessivos
cargos na Administração Pública direta, autárquica e fundacional, em
qualquer dos entes federativos, será considerada a data da investidura mais remota dentre as ininterruptas. (grifo nosso)
Cabe
esclarecer que a norma transcrita cuida do direito dos servidores às regras de
transição insculpidas no art. 6º da EC nº 41/2003 e no art. 3º da EC nº
47/2005, por meio das quais se fixa a data de ingresso no serviço público como
marco do direito à aposentadoria do servidor pelas citadas regras. Se o
ingresso no serviço público - assim considerado o ingresso no regime de
cargo público ou regime próprio de previdência social - ocorreu até a
data da promulgação da Emenda 41/2003 (31/12/2003) ou até a data da promulgação
da Emenda 20/98 (16/12/98), sem que tenha havido descontinuidade do vínculo, o
servidor deve ser considerado como detentor do direito às regras de transição.
Em
suma, as licenças sem remuneração que causam suspensão do exercício do cargo
público não têm o condão de descontinuar, como dito, o vínculo
funcional mantido pelo servidor com o ente federado. Entretanto, esse período
de licença não será computado para fazer face ao implemento do tempo de
serviço público, do tempo de carreira e do tempo no cargo. Esses períodos somente
poderão ser computados como tempo de contribuição e desde que
tenha havido o recolhimento, pelo servidor, da contribuição previdenciária
devida, nos moldes previstos no § 3º do art. 183 da Lei nº 8.112/90[9]. É o que prescreve, inclusive,
a Orientação Normativa MPS nº 2/2009, in verbis:
“Art. 35. O
servidor afastado ou licenciado temporariamente do exercício do cargo efetivo sem recebimento de remuneração ou de
subsídio pelo ente federativo, somente contará o respectivo tempo de afastamento
ou licenciamento para fins de aposentadoria, mediante o recolhimento mensal das
contribuições, conforme lei do respectivo ente.
§ 1º A
contribuição efetuada pelo servidor na situação de que trata o caput não será computada para cumprimento dos
requisitos de tempo de carreira, tempo de efetivo exercício no serviço público
e tempo no cargo efetivo para concessão de aposentadoria.” (grifo nosso)
Esses os efeitos
da licença sem remuneração[10] em nível de direito ao
cargo e ao exercício, cujos detalhamentos serão tratados no tópico seguinte.
(iii) Efeitos em relação à concessão
da aposentadoria e vantagens decorrentes.
A aposentadoria do servidor
público detentor de cargo público efetivo é um benefício previdenciário que, na
atualidade, congrega requisitos de forma conjugada, são eles: tempo de
contribuição, idade, tempo de serviço público, tempo de carreira e tempo no
cargo.
O servidor que está licenciado
para trato de interesses particulares, como visto acima, não terá esse tempo
computado como tempo de serviço público, assim como não terá computado esse
período como tempo de serviço no cargo ou mesmo tempo de carreira, não obstante
possa computar o respectivo período como tempo de contribuição.
Vale esclarecer.
A licença para trato de
interesses particulares e outras com igual natureza, ainda que não retire
do servidor a titularidade do cargo, dele o afasta, de modo que não se
pode computar esse período como tempo no cargo e, por consequência, tempo
de carreira.
De igual sorte, o período de
licença para trato de interesses particulares afasta o servidor do exercício no
serviço público, eis que a legislação estatutária não considera esse
tempo como de efetivo exercício, diversamente do que fez com o período de
licença para desempenho de mandato classista (art. 102, VIII, alínea “c”, da
Lei nº 8.112/90), que embora seja uma licença sem vencimentos, foi guindada ao
patamar de tempo de efetivo exercício[11].
A par desses aspectos, já se pode observar
que o servidor licenciado sem remuneração – e sem previsão de cômputo do
referido tempo como de efetivo exercício - não pode ter esse tempo computado
para os requisitos relativos ao tempo no cargo, ao tempo de carreira e ao tempo
no serviço público. Restará a possibilidade, entretanto, de computar esse
período como tempo de contribuição, na hipótese de o servidor ter recolhido
as contribuições previdenciárias correspondentes, conforme lhe faculta o § 3º
do art. 183 da Lei nº 8.112/90, ou, alternativamente, ter o servidor laborado
nesse período em outra instituição[12] e recolhido as
contribuições devidas, observada a regra da acumulação legal de cargos,
empregos e funções públicas, a motivar a averbação do respectivo tempo para tal
fim, valendo frisar que o tempo de serviço, ainda que não acumulável,
desde que tenha vertido contribuições previdenciárias, pode ser computado como tempo
de contribuição, com ressalvas quanto à infração funcional detectada no
período. Nesse sentido, conta-se o período como tempo de contribuição,
apenas.
O Tribunal de Contas da União
tem acolhido essa orientação em seus julgados, conforme se pode depreender do
excerto do Acórdão nº 2469/2015- TCU - 1ª Câmara, a saber:
“3. No
formulário de concessão de aposentadoria, cadastrado no sistema Sisac, foram
assim discriminados os tempos de serviço, averbações e licenças do servidor: -
tempo de serviço no órgão (excluir licenças): 18 anos, 1 mês e 22 dias; - em
empresa privada, pública e sociedade de economia mista (certificado pelo INSS):
12 anos, 11 meses e 20 dias; - outros (MP nº 86 – licença
para tratar de interesses particulares de 8/10/1991 a 27/2/2010): 7 anos,
2 meses e 13 dias; - licença‑prêmio não gozada (já contada em dobro):
1 mês e 6 dias; - para tratamento da própria saúde (art. 102, inciso
VIII, alínea “b”, da Lei nº 8.112/1990): 1 mês e 13 dias; - outras
licenças (licença saúde – CLT): 21 dias.
4. A Sefip observou que o servidor usufruiu de licença para tratar de
interesses particulares, com a contagem, para fins de aposentadoria estatutária,
do tempo de contribuição referente ao período em que esteve afastado do Banco
Central, sem remuneração.
5. Realizada diligência, foram encaminhadas a
esta Corte de Contas cópias dos mapas de apuração de tempo de serviço e dos
comprovantes de recolhimento das contribuições previdenciárias (peças 4 a 40).
Consta do mapa de peça 4, p. 62, o seguinte detalhamento dos tempos
averbados:
[...]
6. Contudo, a unidade técnica apontou a
ocorrência de irregularidades na apuração do tempo de efetivo exercício no serviço público, uma vez que os
tempos averbados pelo interessado, enquanto esteve de licença para tratar de
interesses particulares (8/10/1991 a 27/2/2010), somente podem ser considerados para tal fim se a acumulação de
cargos tiver sido lícita, enquadrando‑se nessa hipótese apenas o trabalho
de professor temporário na Fundação Universidade de Brasília, de 8/10/1991 a
31/12/1991 (85 dias).
7. Em consonância com a Súmula TCU nº 246,
“O fato de o servidor licenciar‑se, sem
vencimentos, do cargo público ou emprego que exerça em órgão ou entidade da
administração direta ou indireta não o habilita a tomar posse em outro cargo ou
emprego público, sem incidir no exercício cumulativo vedado pelo art. 37
da Constituição Federal, pois que o instituto da acumulação de cargos se dirige
à titularidade de cargos, empregos e funções públicas, e não apenas à percepção
de vantagens pecuniárias.”
8. Dessa forma, os períodos que o licenciado
prestou serviços ao Banco de Brasília S.A. (866 dias), ao Banco do Estado de
Goiás S.A. (922 dias) e à Agência de Fomento de Goiás S.A. (276 dias) podem ser tratados meramente como
tempo de contribuição, por não se referirem a cargos/empregos públicos
acumuláveis. Com essas exclusões, a Sefip concluiu que o tempo de
efetivo exercício no serviço público cai
para 20 anos, 4 meses e 9 dias, insuficientes para a
aposentadoria fundamentada no art. 3º da EC nº 47/2005, cujo
inciso II contém a exigência de 25 anos.
9. Tomando como referência a data de vigência
da aposentadoria (4/7/2011), a situação do servidor foi assim resumida pela
unidade técnica, com base nos tempos de serviço registrados no formulário do
Sisac e no mapa contido na peça 4, p. 61-72:
[...]
10. Concordo que as informações constantes do
presente processo indicam que o ato de aposentadoria de Mario Fernando Maia Queiroz,
nascido em 11/7/1953 e inativado em 4/7/2011, não merece o registro pelo TCU, devendo ser considerado ilegal, ante a
falta de preenchimento das condições estabelecidas no art. 3º,
inciso II, da EC nº 47/2005, por computar menos de 25 anos de
efetivo exercício no serviço público. Contudo, o Tribunal pode dispensar o
inativo do ressarcimento das importâncias recebidas de boa‑fé, nos termos da
Súmula TCU nº 106.” (Ata 13/2015-1ª Câmara. Grifos nosso)
Evidencia-se que o tempo em que o servidor
ficou licenciado sem remuneração pode ser computado como tempo de contribuição
desde que tenha se utilizado da prerrogativa inserta no art. 183, § 3º, da Lei
nº 8.112/90 ou, alternativamente, tenha laborado, nesse período, em entidades
públicas ou privadas cujo cargo/emprego ou função seja acumulável na atividade,
observada a cotização obrigatória ao regime de previdência no correspondente período.
Essa é a regra. Não obstante, é possível contar como tempo de contribuição a
prestação de serviço em cargo/emprego não acumulável, devidamente certificado
pelo órgão competente como tempo de contribuição, observadas as cautelas
legais, conforme análise do tópico seguinte.
E o direito ao Abono de
Permanência?
Outro efeito da licença sem
remuneração no campo dos direitos decorrentes da aposentadoria é que ela também
não garante ao servidor a percepção do intitulado Abono de Permanência, ainda
que tenha satisfeito as condições para seu usufruto.
Como se sabe, o Abono de
Permanência é uma vantagem remuneratória devida ao servidor que implementou as
condições para aposentadoria voluntária (art. 40, § 1º, III, “a”, da CF; arts. 2º;
3º e 6º da EC nº 41/2003 e art. 3º da EC nº 47/2005) e optou por permanecer na
atividade. Essa opção exige o efetivo desempenho do cargo pelo servidor –
exercício real e não fictício, o que torna inviável o pagamento do Abono ao
servidor licenciado sem remuneração. Ademais, por se tratar de parcela
remuneratória, não há como proceder a sua concessão no período de licença, que
é concedida sem remuneração. Sobre o assunto também já se posicionou o Tribunal
de Contas da União, em grau de consulta, no Acórdão nº 1209/2011-Plenário,
conforme a seguir:
“9.1. conhecer da presente consulta, por
preencher os requisitos ínsitos nos arts. 264 e 265 do Regimento Interno, para
responder ao consulente que não cabe
a percepção do abono de permanência previsto no art. 40, § 19, da Constituição
Federal de 1998, por servidores que solicitarem licença para tratar de
interesses particulares, não importando se há ou não continuidade no
recolhimento de contribuições previdenciárias para fins de contagem de tempo de
contribuição, tendo em vista que:
9.1.1. a licença para tratar de interesses
particulares tem como características
a cessação do percebimento de remuneração e a interrupção das atividades
funcionais;
9.1.2. o abono de permanência tem reconhecido caráter remuneratório e
não indenizatório, logo, está relacionado ao percebimento de
remuneração e não à manutenção de um vínculo meramente subsistente do servidor
com a Administração;
9.1.3. o pagamento do abono de permanência está
relacionado à continuidade das atividades funcionais do beneficiário e não à
sua interrupção;
9.2. arquivar os presentes autos.” (grifo
nosso)
As
licenças sem remuneração, portanto, trazem efeitos importantes no campo do
Regime Próprio de Previdência e devem ser devidamente dimensionadas pela
unidade administrativa incumbida da sua instrução processual.
(iv) efeitos no campo
disciplinar
Foi repisado nos pontos anteriores que as
licenças sem remuneração não têm o condão de desvincular o servidor da
titularidade do cargo que ocupa.
A Súmula TCU nº 246, é
clara no sentido de que o “fato de o
servidor licenciar‑se, sem vencimentos, do cargo público ou emprego que exerça
em órgão ou entidade da administração direta ou indireta não o habilita a tomar posse em outro cargo ou emprego público, sem
incidir no exercício cumulativo vedado pelo art. 37 da Constituição
Federal, pois que o instituto da acumulação de cargos se dirige à
titularidade de cargos, empregos e funções públicas, e não apenas à percepção
de vantagens pecuniárias[13].”
Sob tal perspectiva, o servidor que não respeita essa diretriz está
violando dever funcional de cunho negativo (proibição), que veda a
acumulação de cargos e empregos públicos e, por conseguinte, deverá responder
disciplinarmente pela ação infracional[14].
Mas não é somente isso.
No curso da licença para trato
de interesses particulares ou sem vencimentos, o servidor permanece adstrito a
todas das normas relativas aos deveres funcionais prescritas no seu Estatuto.
Assim, não pode o servidor exercer, nesse período, funções incompatíveis com o
seu mister ou até mesmo exercer a advocacia.
Vale lembrar que o servidor está
subordinado a deveres gerais, que podem ser classificados como deveres internos
e externos à relação funcional. Os deveres internos dizem respeito aos deveres
vinculados, em regra, ao exercício do cargo público, tais como o dever de
obediência, de residência, de probidade, de sigilo funcional, de urbanidade e
outros; enquanto os deveres externos estão vinculados à boa conduta, à atuação
incompatível com a função pública e à vedação de intermediação[15]. Muitos desses deveres,
portanto, transcendem o exercício efetivo do cargo e obrigam o servidor ainda
que de licença para trato de interesses particulares.
O Tribunal de Contas da União,
em julgamento emblemático, penalizou servidor de seu Quadro de Pessoal,
licenciado sem remuneração para trato de interesses particulares, por ter
atuado de maneira incompatível com a função pública, assim considerando a
intermediação do servidor em processo disciplinar, na condição de advogado,
contrariamente a órgão da Administração Federal. O servidor foi incurso no art.
117, inciso XI, da Lei nº 8.112/90. Vale a leitura resumida da decisão, objeto
do Acórdão nº 1159/2012 TCU - Plenário:
Sumário: PROCESSO
ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. INFRAÇÃO COMETIDA POR SERVIDOR EM LICENÇA PARA
TRATO DE INTERESSE PARTICULAR. ATUAÇÃO COMO PROCURADOR/ADVOGADO DE EMPRESA
PRIVADA ACUSADA, EM PROCESSO ADMINISTRATIVO PUNITIVO CONDUZIDO POR ENTIDADE
FEDERAL, DE INIDONEIDADE PARA LICITAR. LICENÇA QUE NÃO INTERROMPE O VÍNCULO
JURÍDICO COM A UNIÃO. DESCUMPRIMENTO DO DISPOSTO NO ART.117, INCISO XI, DA LEI
Nº 8.112/90 E CARACTERIZAÇÃO DE ADVOCACIA CONTRA A UNIÃO. DEFESA DO SERVIDOR
NÃO ACOLHIDA. ANTECEDENTE DE INFRAÇÃO DISCIPLINAR E DE CUMPRIMENTO DE PENA DE
SUSPENSÃO. REINCIDÊNCIA. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PARA CANCELAMENTO DO REGISTRO DA
PENALIDADE ANTERIORMENTE APLICADA, TENDO EM VISTA A NOVA INFRAÇÃO COMETIDA.
ACOLHIMENTO DA PROPOSTA DA COMISSÃO DISCIPLINAR PERMANENTE. APLICAÇÃO DA
PENALIDADE DE DEMISSÃO. POSSÍVEL INFRAÇÃO AO DISPOSTO NO ART. 34, INCISOS I E
VI, E NO ART. 30, DA LEI Nº 8.906/94 (ESTATUTO DO ADVOGADO). IMPEDIMENTO DO
EXERCÍCIO DA ADVOCACIA PARA SERVIDORES DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA, INDIRETA E
FUNDACIONAL, CONTRA A FAZENDA PÚBLICA QUE OS REMUNERA OU À QUAL SEJA VINCULADA
A ENTIDADE EMPREGADORA. EXERCÍCIO DA PROFISSÃO, QUANDO IMPEDIDO DE FAZÊ-LO.
EXERCÍCIO DA ADVOCACIA, CONTRA LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. APURAÇÃO DE
RESPONSABILIDADE A CARGO DO CONSELHO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL.
COMUNICAÇÃO À ENTIDADE.
1. Aos servidores da
Secretaria do TCU é vedado o exercício de qualquer atividade profissional,
externa ao serviço público, que os exponha ao risco de conflito, virtual ou
efetivo, entre os seus interesses particulares, profissionais, e os interesses
da Administração Pública, relacionados, sobretudo, com a ampla esfera de competências
institucionais do Tribunal, sob pena de incorrerem em infrações previstas na
Lei 8.112/1990, em especial as proibições relativas ao exercício de atividades
incompatíveis com o cargo ou função e com o horário de trabalho e à atuação
como procurador ou intermediário junto à repartição pública, nos termos do
Acórdão nº 1.674/2006-Plenário.
2. O servidor federal afastado sem
remuneração, no gozo de licença-interesse, não pode licitamente advogar ou
defender, na condição de procurador, interesses de terceiros junto à União ou a
alguma de suas entidades, salvo quando se tratar de benefícios previdenciários
ou assistenciais de parentes até o segundo grau, e de cônjuge ou companheiro,
conforme estabelece o art. 117, inciso XI, da Lei nº 8.112/1990.
3. O fato de o
servidor federal encontrar-se licenciado
para tratar de interesses particulares não descaracteriza o seu vínculo
jurídico com a União, pois a referida licença somente é concedida a critério da
Administração e pelo prazo fixado em lei, podendo, inclusive, ser interrompida,
a qualquer tempo, no interesse do serviço ou a pedido do servidor, devendo este estar obrigado a respeitar o
que lhe impõe a legislação e os princípios da Administração Pública.
4. Na aplicação das
penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida,
os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias
agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais.
5. As penalidades de
advertência e de suspensão terão seus registros cancelados após os decursos de
3 (três) e 5 (cinco) anos de efetivo exercício, respectivamente, se o servidor
não tiver, nesse período, praticado nova infração disciplinar, a teor do
disposto no art. 131 da Lei nº 8.112/1990.” (Ata
17/2012 – Plenário – grifos nosso)
Em igual sentido já vinha decidindo o Supremo Tribunal Federal conforme se pode constatar no RMS 23768 / DF - DISTRITO FEDERAL, de Relatoria do Ministro Luiz Fuz[16], onde foi considerado “absolutamente inviável o exercício do cargo de Fiscal de Derivados de Petróleo juntamente com o comércio desses produtos, pois cada uma dessas atividades é orientada por interesses antagônicos”, ainda que o servidor estivesse gozando de licença para trato de interesses particulares.
Nesse diapasão, resta evidenciado que a conduta externa do servidor é levada à análise em âmbito disciplinar, ainda que esteja licenciado sem remuneração, posto que esta não tem o condão de quebrar o vínculo funcional.
(v) Conclusão
O
servidor público é destinatário de normas estatutárias que regem seus direitos
e deveres. As licenças sem remuneração são direitos que se fundam no exercício
do cargo público e, como tal, não desnudam o servidor, no período licenciado,
do vínculo jurídico formado com o ingresso no serviço público.
É
a concretização e mantença desse vínculo que personaliza a licença sem
remuneração e a individualiza para a produção dos efeitos em favor dos seus
destinatários. Não se pode perder de vista, portanto, essa característica,
motora dos seus efeitos jurídicos.
[1]Pós-Graduada
em Direito Administrativo/UFPA, Palestrante, instrutora e conteudista de cursos
na área do Direito Administrativo, autora do Blog Direito Público em Rede.
[2] No campo do Direito do
Trabalho, em regra, a interrupção acarreta o pagamento dos
vencimentos e a contagem do tempo de serviço, enquanto a suspensão assim não o
faz. No âmbito do Direito Administrativo, contudo, ainda que se possa buscar o
paralelo conceitual, a legislação estatutária traz exceções quanto aos efeitos,
cabendo observar o que dita a respectiva norma para assim se conjecturar entre
a suspensão ou a interrupção do exercício no cargo público. Exemplo: a licença
para desempenho de mandato classista, prevista no art. 92, da Lei nº 8.112/90 (“É
assegurado ao servidor o direito à licença
sem remuneração para o desempenho de mandato em confederação, federação,
associação de classe de âmbito nacional, sindicato representativo da categoria
ou entidade fiscalizadora da profissão ou, ainda, para participar de gerência
ou administração em sociedade cooperativa constituída por servidores públicos
para prestar serviços a seus membros, observado o disposto na alínea c do inciso VIII do art. 102 desta
Lei, conforme disposto em regulamento e observados os seguintes limites:”),
embora seja uma licença
sem remuneração e, portanto, vocacionada a ser considerada como um período de suspensão,
encontra melhor adequação no conceito de interrupção. É que a legislação
confere a essa licença efeitos de efetivo exercício, a atrair, com
preponderância, a linha conceitual da interrupção (ou suspensão parcial,
como queiram).
[3]
Importante dizer que
outras licenças são previstas na Lei nº 8.112/90, mas são de cunho
previdenciário – enumeradas no art. 185. São consideradas benefícios, a saber:
licença para tratamento de saúde; licença à gestante, à adotante e à
paternidade e licença por acidente em serviço.
[4] Notícia veiculada no site do Senado Federal:
“O próximo domingo (7) é a data de
expiração da medida provisória (MP 689/2015) que trata da contribuição previdenciária dos
servidores públicos federais licenciados. Editada em agosto do ano passado, a
MP ainda não foi analisada pela comissão mista formada para dar parecer sobre o
texto. O prazo de validade já passou pela única prorrogação possível. Caso seja
ultrapassado sem decisão do Congresso, a medida perderá os efeitos. A MP
determina que os servidores públicos federais afastados ou licenciados do cargo
sem remuneração deverão continuar vinculados ao seu regime de previdência e
contribuindo mensalmente para ele. Além da contribuição própria, os servidores
nessa situação deverão arcar com a parcela devida pela União para a
previdência. A medida tem os objetivos de ampliar a arrecadação federal e
cortar gastos e já produz efeitos desde o dia 1º de janeiro. Atualmente, os
Previdência do Servidor da União (RPPS). O órgão empregador contribui com 22%.
Na prática, a medida triplica o pagamento previdenciário a cargo do servidor
afastado ou licenciado sem vencimentos. Os servidores também perdem a
possibilidade de optar por não contribuir enquanto durar a licença ou
afastamento e, consequentemente, ficarem temporariamente desligados da
Previdência”. (Última data do acesso em 6 de fevereiro de 2016 -. http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/02/02/mp-sobre-previdencia-de-servidores-licenciados-pode-perder-validade-sem-ser-votada)
[5] Classificação foi oferecida
pela articulista no Curso Direitos e
Deveres do Servidor Público proferido junto ao TRT8, sob o contexto de
ensino a distância - EAD, onde atuou como conteudista e tutora, tendo sido desenvolvida
a partir da classificação dos direitos dos servidores públicos oferecida por
Diogo de Figueiredo Moreira Neto em sua obra Curso de Direito Administrativo,
14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 315.
[6] O art. 91 da Lei nº 8.112/90
é claro em dispor que a licença para trato de interesses particulares é vedada
ao servidor em estágio probatório.
[7]
De acordo com o artigo, os servidores em estágio probatório
podem sair de licença: (i) por motivo de doença em pessoa da família; (ii) por motivo de afastamento do cônjuge ou companheiro; (iii) - para o serviço militar; e
(iv) - para atividade política. Ficaram de fora: (v) as licenças
capacitação, (vi) para trato de interesses particulares e (vii) para o desempenho
de mandato classista. E, ainda, os afastamentos previstos nos arts. 94, 95 e 96
da Lei nº 8.112/90.
[9] Ou tenha o servidor laborado
nesse período, com recolhimento de contribuição previdenciária correspondente, devidamente comprovado por certidão
competente e averbado na repartição de origem.
[11] Não obstante, nada impede
que o servidor possa averbar tempo de serviço público se, no período de
licença, estiver exercendo cargo/emprego acumulável na atividade de natureza
pública (conceito largo de serviço público).
[12] O servidor pode trabalhar,
no período licenciado, em entidades públicas ou privadas, desde que em
exercício de cargo ou emprego acumuláveis na atividade, na forma do art. 37,
XVI, da CF. Vale frisar que os empregos privados propriamente ditos (assim considerados
aqueles que não integram a Administração Indireta) podem, em regra, ser
exercido pelo servidor no referido período desde que não estejam no rol dos que
se incompatibilizem com o exercício da própria função, nos termos do art. 117
da Lei nº 8.112/90, como analisado no tópico seguinte. Nesse caso, não se trata
de hipótese de acumulação, mas de incompatibilidade pelo exercício da função.
[13] O grifo não consta do
original.
[14] Constatada a acumulação
ilícita, é dado ao servidor o direito de opção, em processo disciplinar sumário
(Art. 133, § 5º, da Lei nº 8.112/90: “ A opção pelo servidor até o último dia
de prazo para defesa configurará sua boa-fé, hipótese em que se converterá automaticamente em pedido de
exoneração do outro cargo) que, se acolhida, é convertida
em exoneração do outro cargo. A exoneração do cargo inacumulável, portanto, tem
o condão de extirpar a infração funcional. (grifo nosso)
[15] Classificação oferecida por
Diogo de Figueiredo Moreira Neto. In Curso
de Direito Administrativo, 14 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense – 2006, pp.317/320.
[16] Decisão monocrática, julgamento em 25/2/2014, DJe de 27/2/2014. Publicada em 28/2/2014. No mesmo sentido: RE 496.246-ED/CE, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJe 17.8.2007; RE 300.220/CE, rel. Min. Ellen Gracie, 1ª Turma, DJ 22.3.2002; RE 570.193/RJ, rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, DJe 03.8.2010; e RE 399.475/DF, rel.Min. Eros Grau, decisão monocrática, DJ 14.9.2005.
Muito interessante seu artigo... Uma dúvida O servidor que gozou 3 anos de licença para interesses particulares quando retoma suas atividades tem direito aos 30 dias de férias?
ResponderExcluirAgradeço. Em tese sim. Não mais precisa cumprir o período de carência. Deve entrar na escala de férias.
ExcluirExcelente! Texto limpo, bem escrito e de fácil compreensão. Me ajudou a esclarecer uma dúvida com precisão. Obrigada. Parabéns!!
ResponderExcluirAgradeço. Fico feliz por ter ajudado de alguma forma.
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ExcluirExcelente e bastante abrangente! Obrigado e parabéns! Fiquei com uma dúvida. Sou servidor público federal (médico), com carga horária de 20h semanais (plantonista). Posso assumir cargo de diretor estatutário em empresa privada? Se não, passaria a poder caso estivesse de licença sem vencimentos? Muito grato!
ResponderExcluirExcelente os seus comentários. Tenho uma dúvida que me persegue há mais de 3 anos. Sou servidora pública estadual em Santa Catarina e entre 1996 e 1997 gozei de licença sem vencimentos. Nesse período recolhi durante 6 meses a contribuição previdenciária junto ao instituto de previdência estadual. Os boletos eram gerados pelo instituto e encaminhados para o meu endereço, no mesmo valor que eu pagaria se estivesse na ativa. Na época o instituto administrava saúde e previdência, e o desconto em folha era um só. Mais tarde, em 2014 fui até o instituto solicitar uma certidão deste tempo de contribuição para averbar na minha ficha funcional. A certidão foi negada sob o argumento que aquela contribuição era apenas para manter meu vínculo com o sistema de saúde do estado. Segundo eles, para valer como tempo de contribuição, eu deveria ter efetuado os recolhimentos junto ao INSS. Esse argumento procede? Não tenho direito mesmo? Desde já, agradeço.
ResponderExcluirOlá, eu tenho uma duvida gostaria de saber se você pode me responder!
ResponderExcluirSou funcionária publica pelo município de Joinville a 3 anos! Gostaria de pegar a licença sem remuneração para realizar um intercâmbio, porém liguei para o RH e lá me informaram que quem autoriza a minha saída é a minha gerencia, (meu coordenador) e que ela tem que assinar um documento liberando o funcionário e alegando que não precisa mais do meu serviço. Neste caso meu corrdenador não quer me liberar para tirar a licença sem remuneração. Como é um direito meu como funcionário publico, gostaria de saber para quem posso recorrer!?
Agradeço desde já.
Excelente artigo. Parabéns!
ResponderExcluirSou servidora publica federal civil e gozei da licença não remunerada para tratar de assuntos particulares no período de 02/3013 a 02/2016, retornei as atividades e gostaria de tirar mais três anos de licença. Posso dar entrada no pedido ou preciso trabalha por igual ou superior período ?
ResponderExcluirExcelente texto. Muito esclarecedor!
ResponderExcluirExcelente dissertação. Porém deve ser atualizada à luz da Medida Provisória nº 792, de Jul/2017, que altera, dentre outros, o art. 91 da Lei nº 8112/90.
ResponderExcluirTenho uma dúvida: O servidor da esfera federal pode ficar de licença sem remuneração por tempo indeterminado porque casou com estrangeiro e precisa residir no país do cônjuge?
ResponderExcluirBOM DIA. FOI APROVADA RECENTEMENTE UMA LEI QUE ALTEROU O ESTATUTO DO SERVIDOR PÚBLICO DO MUNICÍPIO DE JARU/RO EM QUE O SERVIDOR AFASTADO PARA TRATO DE INTERESSE PARTICULAR SERÁ DA SEGUINTE FORMA: "...§ A LICENÇA SUSPENDERÁ O VÍNCULO COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA". E AI PODE ISSO?
ResponderExcluirAH, EXCELENTE TEXTO. PARABÉNS, CONTRIBUIU MTO.
ExcluirUm dúvida... se eu sou funcionária da Prefeitura e estou de licença por interesse particular, tenho direito a certidão de tempo de serviço do tempo que estive ativa?
ResponderExcluirÓtimo texto. Uma dúvida. Se o servidor tirar a licença interesse, e na volta já contar tempo para aposentadoria e tempo de serviço público, ele não fica prejudicado pelo tempo de efetivo exercício no cargo? Ou conta o tempo no cargo que ele já tinha antes da licença?
ResponderExcluirBoa noite.
ResponderExcluirExtremamente conciso e claro este artigo. Obrigada por nos fornecer uma linguagem didática, afastada da realidade da maioria dos artigos dessa área jurídica.
Se possível, esclareça-me a seguinte dúvida: sou professora, funcionária do estado de Sergipe e há um ano gozo da licença sem vencimento (válida por cinco anos renovados ou não). Tirei essa licença para tratar de assuntos particulares em SP e agora passei num processo seletivo também para professor, mas devido ao Art. 13 do Decreto 41915/97 querem proibir-me de assumir a função. Então gostaria de saber se não posso assumir o cargo de professor do estado de SP ( Processo Seletivo -regime celetista) por estar de licença sem remuneração no estado de Sergipe ( Concurso Público para professor - regime estatutário)?? Aguardo urgente resposta.
Sinceramente a Senhora deveria ser jurista, porque sua escrita e didática é tão fluída que me faz até sentir um pouco de 'inveja', parabéns!
ResponderExcluirÓtimo artigo! Estou pensando em uma questão. O servidor federal ocupante de cargo efetivo em licença para interesses particulares, sem contribuição, deixa benefício previdenciário para seus dependentes? Refiro-me aos benefícios de pensão por morte ou auxílio reclusão.
ResponderExcluirFoi muito útil para esclarecer minhas dúvidas e aprender um pouco mais referente ao assunto.
ResponderExcluirObrigada
EXCELENTE TEXTO, PARABÉNS!
ResponderExcluirSOU FUNCIONÁRIA PÚBLICA MUNICIPAL E FUI LICENCIADA PARA TRATAR DE INTERESSE PARTICULAR POR DOIS ANOS.
EM 2019 COMPLETEI 12 ANOS DE TRABALHO E AO SOLICITAR MINHA LICENÇA-PRÊMIO, QUE É CONCEDIDA A ACADA 10 ANOS,FUI SURPREENDIDA COM A SUA NEGATIVA E COM A INFORMAÇÃO DE QUE MEU TEMPO PARA FINS DE LICENÇA-PRÊMIO TINHA SIDO ZERADO.
ISSO PODE OCORRER?
AGRADEÇO A ATENÇÃO.