ORIENTAÇÃO DE ORDEM PRÁTICA Nº 1, DE 2014. CONCURSO PÚBLICO. A REALIZAÇÃO DE NOVO CONCURSO PÚBLICO SE IMPÕE QUANDO O NÚMERO DE VAGAS OFERTADAS É SUPERIOR AO NÚMERO DE CANDIDATOS APROVADOS. CONSIDERAÇÕES.
A existência de cargos de provimento efetivo vagos, no
âmbito da Administração Pública, autoriza, desde logo, como alternativa primeira, a realização de concurso público.
Mas nem sempre essa alternativa parece clara ao gestor público, principalmente quando o prazo de validade do concurso anterior ainda não expirou e existe prerrogativa posta no respectivo edital acerca da possibilidade de o candidato que não tiver interesse nas localidades ofertadas por ocasião do chamamento à nomeação, manter sua
classificação e aguardar nova chamada.
A par dessa perspectiva, o primeiro ponto a esclarecer diz respeito à vedação da realização de novo concurso “enquanto
houver candidato aprovado em concurso anterior com prazo de validade não
expirado", prevista no Art. 12, § 2º, da Lei nº 8.112/90. Essa norma, afinal, impede a realização de novo certame?
Certamente não. A norma estatutária tem por fim evitar que,
na hipótese de surgimento de vaga no período da validade do concurso
anterior, seja realizado o chamamento de candidatos do novo
concurso com preterição dos aprovados no concurso anterior, em afronta ao que
dispõe o inciso IV do art. 37 da Constituição da República, que assim prescreve:
“IV – durante o prazo improrrogável previsto no edital de
convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e
títulos será convocado com prioridade sobre os novos concursados para
assumir cargo ou emprego, na carreira;” (os grifos não
constam do original)
O texto Constitucional não veda a realização de novo concurso na
constância do prazo de validade de concurso anterior. Apenas não permite que
seja convocado candidato do novo concurso, em detrimento do aprovado no
concurso anterior, na hipótese de surgimento de vaga no prazo de
validade desse último. Esse, inclusive, o entendimento da nossa
Corte Constitucional. Ei-lo:
“(...) nos
termos constitucionalmente postos, não
inibe a abertura de novo concurso, a existência de classificados em evento
ocorrido antes. O que não se permite, no entanto, no sistema
vigente, é que, durante o prazo de validade do primeiro, os candidatos classificados
para os cargos na seleção anterior sejam preteridos por aprovados em novo
certame.” (STF, MS n. 24.660, Relatora: Ministra Ellen Gracie. Relatora para
o Acórdão: Ministra Carmem Lúcia, Data do Julgamento 3/2/2011, DJ-e 183,
publicado em 30.9.2011, p.1).
Não é demais
esclarecer que quando se fala em preterição de candidato aprovado
se está a dizer que a Administração deixou de facultar a esse
candidato o direito de se manifestar quanto à nomeação por ocasião do
surgimento de vaga, ocorrido no prazo de validade do concurso no
qual logrou êxito.
Pois bem, na hipótese em que o número de vagas ofertadas for superior ao número de candidatos aprovados no concurso anterior, a Administração Pública está, desde logo, autorizada à realização de novo concurso para provimento das vagas que sobejaram o número de candidatos aprovados, independentemente de qualquer previsão editalícia que resguarde direito de candidatos acerca de vagas. E simplesmente porque as vagas estão livres de qualquer condição, impondo à Administração Pública o poder-dever de realização de novo certame para suprir a demanda de pessoal existente. A sociedade exige prestação de serviço público eficiente e esse se faz com pessoas capacitadas e selecionadas para o exercício do mister público. Logo, o interesse público primário impõe seja assim conduzida a questão.
De outra banda, as vagas que surgem, no prazo de validade do concurso e no limite do número de aprovados, devem ser oferecidas ao candidato aprovado. Essa é a regra. Todavia, se o candidato recusar a sua nomeação, não se pode dizer que houve preterição à ordem de classificação e, consequentemente, vulneração ao direito subjetivo à nomeação, eis que a Administração cumpriu todas as premissas constitucionais em relação ao instituto do concurso público, nos moldes da atual e iterativa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que assim proclamou em Repercussão Geral:
De outra banda, as vagas que surgem, no prazo de validade do concurso e no limite do número de aprovados, devem ser oferecidas ao candidato aprovado. Essa é a regra. Todavia, se o candidato recusar a sua nomeação, não se pode dizer que houve preterição à ordem de classificação e, consequentemente, vulneração ao direito subjetivo à nomeação, eis que a Administração cumpriu todas as premissas constitucionais em relação ao instituto do concurso público, nos moldes da atual e iterativa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que assim proclamou em Repercussão Geral:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. CONCURSO
PÚBLICO. PREVISÃO DE VAGAS EM EDITAL. DIREITO À NOMEAÇÃO DOS CANDIDATOS
APROVADOS. I. DIREITO À NOMEAÇÃO. CANDIDATO APROVADO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS
PREVISTAS NO EDITAL.
Dentro do prazo de validade do
concurso, a Administração poderá escolher o
momento no qual se realizará a nomeação,
mas não poderá dispor sobre a própria nomeação, a qual, de acordo com o edital,
passa a constituir um direito do concursando aprovado e, dessa forma, um dever
imposto ao poder público. Uma vez publicado o edital do concurso com número
específico de vagas, o ato da Administração que declara os candidatos aprovados
no certame cria um dever de nomeação para a própria Administração e, portanto,
um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número
de vagas.
II. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA
JURÍDICA. BOA-FÉ. PROTEÇÃO À CONFIANÇA.
O dever de boa-fé da
Administração Pública exige o respeito
incondicional às regras do edital, inclusive quanto à previsão das vagas do
concurso público. Isso
igualmente decorre de um necessário e incondicional respeito à segurança
jurídica como princípio do Estado de Direito. Tem-se, aqui, o princípio da
segurança jurídica como princípio de proteção à confiança. Quando a
Administração torna público um edital de concurso, convocando todos os cidadãos
a participarem de seleção para o preenchimento de determinadas vagas no serviço
público, ela impreterivelmente gera uma expectativa quanto ao seu comportamento
segundo as regras previstas nesse edital. Aqueles cidadãos que decidem se
inscrever e participar do certame público depositam sua confiança no Estado
administrador, que deve atuar de forma responsável quanto às normas do edital e
observar o princípio da segurança jurídica como guia de comportamento. Isso
quer dizer, em outros termos, que o comportamento da Administração Pública no
decorrer do concurso público deve se pautar pela boa-fé, tanto no sentido
objetivo quanto no aspecto subjetivo de respeito à confiança nela depositada
por todos os cidadãos.
III. SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS. NECESSIDADE DE
MOTIVAÇÃO. CONTROLE PELO PODER JUDICIÁRIO.
Quando se afirma que a Administração
Pública tem a obrigação de nomear os aprovados dentro
do número de vagas previsto no edital, deve-se levar em consideração a
possibilidade de situações excepcionalíssimas que justifiquem soluções
diferenciadas, devidamente motivadas de acordo com o interesse público. Não
se pode ignorar que determinadas situações excepcionais podem exigir a recusa
da Administração Pública de nomear novos servidores. Para justificar o
excepcionalíssimo não cumprimento do dever de nomeação por parte da Administração
Pública, é necessário que a situação justificadora seja dotada das seguintes
características: a) Superveniência: os eventuais fatos ensejadores de uma
situação excepcional devem ser necessariamente posteriores à publicação do
edital do certame público; b) Imprevisibilidade: a situação deve ser
determinada por circunstâncias extraordinárias, imprevisíveis à época da
publicação do edital; c) Gravidade: os acontecimentos extraordinários e
imprevisíveis devem ser extremamente graves, implicando onerosidade excessiva,
dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do
edital; d) Necessidade: a solução drástica e excepcional de não cumprimento do
dever de nomeação deve ser extremamente necessária, de forma que a
Administração somente pode adotar tal medida quando absolutamente não existirem
outros meios menos gravosos para lidar com a situação excepcional e
imprevisível. De toda forma, a recusa de nomear candidato aprovado dentro do
número de vagas deve ser devidamente motivada e, dessa forma, passível de
controle pelo Poder Judiciário.
IV. FORÇA NORMATIVA DO PRINCÍPIO DO CONCURSO PÚBLICO.
Esse entendimento, na medida em que atesta a
existência de um direito subjetivo à nomeação, reconhece e preserva da melhor
forma a força normativa do princípio do concurso público, que vincula
diretamente a Administração.
É preciso reconhecer que a efetividade da exigência constitucional do concurso
público, como uma incomensurável conquista da cidadania no Brasil, permanece
condicionada à observância, pelo Poder Público, de normas de organização e procedimento
e, principalmente, de garantias fundamentais que possibilitem o seu pleno
exercício pelos cidadãos. O reconhecimento de um direito subjetivo à nomeação
deve passar a impor limites à atuação da Administração Pública e dela exigir o
estrito cumprimento das normas que regem os certames, com especial observância
dos deveres de boa-fé e incondicional respeito à confiança dos cidadãos.
O princípio constitucional do concurso público é fortalecido quando o Poder
Público assegura e observa as garantias fundamentais que viabilizam a
efetividade desse princípio. Ao lado das garantias de publicidade, isonomia,
transparência, impessoalidade, entre outras, o direito à nomeação representa
também uma garantia fundamental da plena efetividade do princípio do concurso
público.
V.
NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.” (STF,
RE 598099 / MS, Relator Min. GILMAR MENDES, DJ-e 3/10/2011, p. 314)
À
guisa desse raciocínio, vislumbra-se que as regras editalícias que versam sobre o direito de manifestação do candidato quanto às localidades ofertadas e assegura a sua classificação até outro chamamento, não impede a realização de novo concurso público pela Administração Pública. Primeiro porque o seu dever foi devidamente cumprido, nos termos das regras editalícias: houve o chamamento por ocasião do surgimento da vaga. E, por derradeiro, o princípio do concurso público não se coaduna com a primazia do interesse individual: não pode a Administração ficar à mercê da vontade de cada qual. Assim, a vaga recusada poderá, de igual sorte, ser utilizada para chamamento de candidato aprovado no novo concurso, sem que isso implique em vulneração do direito à nomeação acolhido pela regra editalícia. Aliás, não pode a Administração guardar vagas para
que sejam providas no momento em que o candidato sentir essa necessidade ou quando
lhe convier, eis que a adoção dessa orientação teria o condão de subverter
o interesse público, imanente à própria realização do concurso, em interesse
particular do candidato, cujo direito lhe foi efetivamente garantido no momento
do surgimento das vagas.
Em suma, não se pode perder de vista a finalidade e o objeto do concurso público, sob pena de se inverter a ordem legítima que dele emana, consistente na garantia de acesso a todos os brasileiros, que preencham os requisitos estabelecidos em lei, e aos estrangeiros, na forma da lei, aos cargos e empregos públicos.
Em suma, não se pode perder de vista a finalidade e o objeto do concurso público, sob pena de se inverter a ordem legítima que dele emana, consistente na garantia de acesso a todos os brasileiros, que preencham os requisitos estabelecidos em lei, e aos estrangeiros, na forma da lei, aos cargos e empregos públicos.
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