QUESTÃO DE ORDEM PRÁTICA 1/2013: REDISTRIBUIÇÃO POR RECIPROCIDADE. NOVO POSICIONAMENTO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO SOBRE A MATÉRIA
Ao apagar das luzes do ano de 2012,
o Tribunal de Contas da União, sob a Presidência do Ministro Augusto Nardes,
resolveu rever posicionamento acerca da validade do procedimento intitulado redistribuição por reciprocidade
que vinha sendo adotado por uma parcela considerável do Poder Judiciário no uso
de sua função administrativa.
Por meio do
Acórdão nº 3447/2012 – Plenário, em sessão Extraordinária de 10/12/2012, o
Tribunal de Contas da União assim decidiu:
“9.1.
conhecer da presente representação, para, no mérito, considerá-la improcedente,
por entender que os atos ora examinados não comportam questionamento, porquanto guardam consonância com a decisão
do Supremo Tribunal Federal, adotada nos autos do processo administrativo nº
338.163 (peças 9 e 10), quando a Corte Máxima de Justiça do País resolveu
"admitir, por unanimidade, no âmbito do STF, a redistribuição por
reciprocidade, observados os requisitos do art. 37 da Lei nº 8.112/1990 e a
restrição do TCU quanto à inexistência de concurso público em vigor para as
especialidades dos cargos interessados na redistribuição, a fim de resguardar
interesses de candidatos aprovados, e deferir, no caso concreto do processo em
referência, a redistribuição pleiteada" (ata da sexta sessão
administrativa, realizada em 2/12/2009);
9.2. reconhecer, portanto, a regularidade tanto da redistribuição por reciprocidade formalizada mediante as Portarias nºs 267/2009 e 368/2009, da Presidência do Supremo Tribunal Federal e da Presidência do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, quanto das redistribuições ainda em curso, objeto dos Ofícios nºs 445/GP e 446/GP, ambos de 17/10/2012, endereçados pelo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal ao Senhor Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios;
9.3. esclarecer que, para o aperfeiçoamento dos atos de que tratam os sobreditos Ofícios nºs 445/GP e 446/GP, da Presidência do STF, uma vez já comprovado pela Sefip o atendimento das exigências previstas nos incisos II a VI do art. 37 da Lei nº 8.112/1990, resta a cumprir o requisito do inciso I do mesmo dispositivo legal (art. 37), o que poderá ser atendido mediante a manifestação expressa do TJDFT, no sentido de permitir as redistribuições solicitadas pela Excelsa Corte, se entender que há interesse por parte da administração daquele Tribunal de Justiça, e desde que não exista concurso público em vigor para as especialidades dos cargos vagos interessados na redistribuição, a fim de resguardar interesses de candidatos aprovados;
9.4. dar ciência deste acórdão, bem como do relatório e voto que o fundamentam, ao Supremo Tribunal Federal, ao Superior Tribunal de Justiça, ao Conselho Nacional de Justiça e ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.
Em outras palavras, o Tribunal de Contas
da União que antes não admitia a redistribuição por reciprocidade[1] em face da própria
inconsistência do procedimento frente às normas legais que assim cuidam do
tema, passou a admiti-la sob o escopo da orientação que vinha e vem sendo
acolhida pelo Poder Judiciário em sede administrativa.
Vale lembrar, que o Conselho Nacional de
Justiça, sob a Presidência do Ministro Cezar Peluzo, chegou a disciplinar o
instituto da “redistribuição por
reciprocidade” por meio da Resolução nº 146, de 6 de março de 2012, ao
tempo em que já existiam reiterados julgados do Tribunal de Contas da União
dando conta da irregularidade do procedimento, a demonstrar a divergência
acerca da inteligência dada à matéria.
O cerne da divergência residia na
concepção jurídica conferida ao instituto, na medida em que o Tribunal de
Contas da União não conseguia vislumbrar, na figura redistribuição, a
possibilidade de deslocamento recíproco de cargos idênticos.
E, certamente, a redistribuição é instituto cuja conotação não
abraça, em tese, a figura da reciprocidade, eis que tem por fim deslocar
cargo, que se tornou desnecessário/ocioso na origem, acrescendo em
quadro de outro órgão do mesmo Poder, que se encontra desfalcado em sua força
de trabalho. A reciprocidade no campo da redistribuição, consoante se deixou
assente em estudo de nossa lavra, somente seria possível na hipótese de demanda
por cargos
diversos, a saber:
“Um
órgão/ente que possui em seu quadro de pessoal excesso de cargos de uma dada
categoria funcional e déficit
em outra passível de compensar
com órgão/ente em situação cuja realidade se apresenta oposta a sua pode vir a
ser inserido na sistemática da redistribuição, por exemplo: um hospital
público, cujo corpo funcional consigne excesso de médicos cirurgiões e déficit de médicos clínicos está
apto a redistribuir cargos de médicos cirurgiões e receber contrapartida de
cargos de médicos clínicos. É visível que o exemplo oferecido não
consubstancia, efetivamente, uma contrapartida
ou reciprocidade sob condição[2],
eis que o sentido foi acrescer à lotação de um hospital público cargos de
médicos clínicos e, no outro, de médicos cirurgiões, então necessários ao
desenvolvimento e fortalecimento da capacidade institucional de cada qual.”[3]
Aliás, a
redistribuição, desde os tempos mais distantes, sempre foi aplicada como
ferramenta de reformulação da organização administrativa como forma de
deslocamento de cargos sem condicionamentos, eis que
sujeita integralmente ao interesse público. Daí a conotação emprestada pelo
Tribunal de Contas da União, agora modificada em razão da orientação vigente no
âmbito do Supremo Tribunal Federal, ainda que em sede administrativa.[4]
Na atual concepção, agora avalizada pelo
Tribunal de Contas da União, a redistribuição assume nova roupagem, então batizada de redistribuição por reciprocidade.
Diz-se nova roupagem porque, em verdade, a concepção havida traz,
sem dúvida, nova forma de deslocamento na medida em que tem por fim suprir
a lacuna
deixada por cargo idêntico no órgão de origem e não propriamente em dotar o
órgão de destino de mais um cargo para compor a sua força de trabalho,
consoante escopo da redistribuição, nos moldes insertos no art. 37 da Lei nº 8.112/90.
É que esse tipo de redistribuição
nada mais faz do que trocar de lugar os cargos públicos envolvidos, ajustando a
lotação e a força de trabalho às necessidades de serviço. E como identificar
essa necessidade de serviço diante da reciprocidade? Sim, porque, em tese, não
faz sentido um órgão redistribuir, mediante contrapartida, cargos vagos ou
providos com idênticas atribuições sob justificativa de ajuste de quadros quando
se sabe que a existência de um cargo supre a necessidade de outro.
Em outras palavras, na redistribuição
por reciprocidade, o cargo, ocupado ou vago, segue para órgão diverso daquele
em que foi criado, ao tempo em que outro cargo público, ocupado ou vago,
pertencente a quadro de pessoal de órgão diferente, lhe confere cobertura, procedimento
que, em tese, elimina a essência maior do ajustamento de lotação e da força de
trabalho, voltada a compor a necessidade de serviço, a impor o seguinte
questionamento: _qual seria o interesse nessa troca de cargos?
A realidade trazida à baila pelo Tribunal
de Contas no Acórdão nº 3447/2012 revela que as redistribuições por reciprocidade
ali examinadas ocorreram para cargos idênticos, de modo que não se
pode sustentar a tese de que a necessidade de serviço advém ou se
justifica por força da precisão de atribuições de cargos
diversos, conforme dito alhures. Aliás, o Acórdão nº 3447/2012 tratou do interesse
da Administração sob ótica da aquiescência na ação pelos órgãos
envolvidos, inobstante a sua vinculação ao interesse do serviço. Vale a reprodução
de excerto do Voto que cuidou do tema. Ei-lo:
“47. Contudo, é preciso ressaltar que resta por cumprir, em
sua totalidade, o requisito do inciso I do art. 37 da Lei nº 8.112/1990. O
interesse público, neste caso concreto, será
materializado pela soma dos interesses do STF e do TJDFT. O primeiro já se
manifestou favoravelmente ao pleitear a redistribuição recíproca dos cargos. O interesse público poderá ser plenamente
atendido, portanto, mediante manifestação expressa do TJDFT, no sentido de também entender
que as redistribuições recíprocas em tela atendem aos seus interesses
institucionais.” (o grifo não consta do original)
Sob tal perspectiva, faz-se interessante observar
que as redistribuições analisadas, todas no âmbito do Poder Judiciário, tiveram
por foco cargos ocupados por servidores. Pelo um dos cargos assim se
encontrava, a demonstrar que o interesse público nesse tipo de
redistribuição não estaria propriamente centrado na figura do cargo, mas na
pessoa do servidor que o está exercendo, o que não é próprio do instituto da
redistribuição. Nesse sentido, não é difícil chegar à conclusão de que
a redistribuição
por reciprocidade tem o condão de manter a força de trabalho de determinado
servidor, cujo cargo efetivo pertence a órgão diverso, ao tempo em que libera o
exercício de cargo efetivo equivalente para outrem, junto ao órgão de origem.
Essas situações ocorrem, geralmente,
diante de circunstâncias envolvendo a afastamento de servidores para exercício
de cargos ou funções de confiança em órgãos distintos do qual pertencem. Muitos
servidores são convidados a exercer cargos e funções de confiança em órgãos
diversos de sua lotação e por lá ficam longos anos. Nesse ínterim, o órgão ao
qual pertencem fica desfalcado de sua força de trabalho, eis que não pode
preencher os referidos lugares. Porém, em face da precariedade desse tipo de
afastamento, o órgão de origem possui a prerrogativa de, a qualquer tempo,
invocar a necessidade de serviço e requisitar o retorno do servidor
afastado, fato que comumente acaba por criar problemas com o órgão de destino,
como aqui se intitula, o qual já depende dessa mesma força de trabalho, em face
da experiência adquirida pelo servidor e da confiança depositada no seu serviço.
Daí resulta a essência da redistribuição por reciprocidade,
que vem solucionar o problema com a troca de cargos entre os órgãos.
Desse modo, o interesse maior na
existência da redistribuição por reciprocidade, ao que parece, é consolidar situações
de afastamento criadas por outras vias, a exemplo da cessão e da remoção, que
deslocam servidores de forma precária, sempre mantendo o seu vínculo com o
órgão de origem. E, ao final, essa forma
de deslocamento do cargo, que possui conotação de permanência, viria, de forma
transversa, a restaurar a capacidade institucional dos referidos órgãos.
A conotação jurídica emprestada, entretanto,
revela que a redistribuição por reciprocidade não acolhe a essência
do instituto da redistribuição nos moldes previstos na legislação de regência,
voltado para ajustamento de lotação por meio de deslocamento de cargo sem
condicionamentos ou contrapartida[5], conforme já se disse
alhures, de maneira que se impõem precauções na sua adoção, mormente porque
somente uma pequena parcela de servidores está inserida no contexto antes
mencionado. E, de outra banda, essa situação confere uma forte margem de
liberdade para a Administração Pública que, como visto, não está subordinada a
motivar o interesse do serviço sob o escopo trazido na redistribuição
convencional.
Por derradeiro, faz-se interessante
ressaltar que o formato aprovado pelo Poder Judiciário, agora avalizado pelo
Tribunal de Contas da União, vem frustrar a expectativa dos servidores
recém-nomeados que enxergavam na redistribuição por reciprocidade uma
possibilidade de deslocamento definitivo para localidade de seu domicílio, pelo
menos no âmbito do Poder Judiciário. E o motivo é singelo: a Resolução nº 146,
de 6 de março de 2012, do Conselho Nacional de Justiça, condicionou a redistribuição
de cargo ocupado ao cumprimento do lapso temporal de 36 meses de
exercício no cargo a ser redistribuído. Mas, a par da restrição, vale o alerta no
sentido de que o implemento do citado requisito, isoladamente, não
tem serventia, eis que o deslocamento do cargo, de qualquer forma, impõe
a visualização, pelos órgãos envolvidos, do intitulado interesse público, de
modo que a simples existência de vontade recíproca entre servidores[6] não deve alcançar tal
intento, até mesmo porque o interesse público advém de
diagnóstico realizado pela Administração a partir de suas necessidades
primárias, em juízo discricionário.
Em
todo caso, a redistribuição por reciprocidade não será possível, segundo as
regras apregoadas, quando existir concurso público em andamento ou em vigência
para provimento de cargo idêntico, condição que visa resguardar as vagas a quem
de direito.
Esse
o esboço sobre o qual se assenta a novel forma de deslocamento de cargos
públicos, intitulada de redistribuição por reciprocidade,
sobre a qual já se elaborou estudo aprofundado em outro ensaio, cujas
conclusões divergem da tese agora acolhida[7].
MARIA LÚCIA MIRANDA ALVARES - Pós-Graduada
em Direito Administrativo /UFPA, autora do livro Regime Próprio de
Previdência Social. Editora NDJ, e colaboradora de revistas jurídicas na
área do Direito Administrativo.
[1]
A
jurisprudência do TCU foi consolidada, inclusive, em grau de consulta, por
meio do Acórdão TCU Plenário nº 480/2012, no qual deixou vazar o seguinte
entendimento: “ACORDAM os Ministros do
Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão de Plenário, ante as razões
expostas pelo Relator, em:
9.1. conhecer excepcionalmente da presente consulta, com fundamento no art. 1º, inciso XVII, da Lei 8.443/1992; 9.2. responder à autoridade consulente que: 9.2.1. não é possível a aplicação das disposições do art. 37 da Lei 8.112/1990 à figura da "redistribuição por reciprocidade", nos moldes em que foi apresentada pelo consulente, uma vez que não é compatível com os requisitos da redistribuição, previstos no mencionado art. 37, que pressupõe a necessidade de deslocamento de cargos (e não de servidores) para órgão ou entidade do mesmo Poder, com vista ordinariamente ao ajustamento de lotação e da força do trabalho, no interesse da administração e em caráter excepcional;”
9.1. conhecer excepcionalmente da presente consulta, com fundamento no art. 1º, inciso XVII, da Lei 8.443/1992; 9.2. responder à autoridade consulente que: 9.2.1. não é possível a aplicação das disposições do art. 37 da Lei 8.112/1990 à figura da "redistribuição por reciprocidade", nos moldes em que foi apresentada pelo consulente, uma vez que não é compatível com os requisitos da redistribuição, previstos no mencionado art. 37, que pressupõe a necessidade de deslocamento de cargos (e não de servidores) para órgão ou entidade do mesmo Poder, com vista ordinariamente ao ajustamento de lotação e da força do trabalho, no interesse da administração e em caráter excepcional;”
[2]
Assim entendida a
redistribuição realizada, tão somente, para suprir a demanda do cargo
redistribuído, consoante o disposto no art. 4° da Portaria n° 57, de 2000, do
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
[3]Vale a reprodução de outro trecho
do referido estudo para melhor entender o tema. Ei-lo: “Em outras palavras, a
deficiência da força de trabalho que submete a Administração Pública a lançar
mão da redistribuição é aquela vinculada à lotação numérica do órgão ou entidade. Ou seja, a
insuficiência da força de trabalho é auferida a partir do número de cargos que integra o quadro de
pessoal de um dado órgão ou entidade para fazer face ao desempenho
de suas atividades administrativas. Não
é o número de servidores que é levado em consideração, até mesmo porque
este deve equivaler ao número de cargos existentes. Assim, a idéia básica da redistribuição é acrescer, em número, a lotação do órgão ou
entidade de destino, aumentando efetivamente
a sua força de trabalho em razão das mais diversas situações, todas de
interesse da Administração Pública.” ALVARES, Maria Lúcia Miranda. Da redistribuição por
reciprocidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3122, 18 jan. 2012 .
Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20882>.
Acesso em: 4
fev. 2013.
[4] A força da decisão do STF, ainda
que em sede administrativa, é sempre levada a cotejo diante da competência de
que goza. Inclusive pelo TCU.
[5]
A hipótese requisitaria, sem dúvida, alteração legislativa. Porém, em face da
interpretação dada pelos órgãos de cúpula do Judiciário, queda-se por assentir
pela sua desnecessidade. Simples assim.
[6] Na
essência, o entendimento agora preconizado comporta pedido de servidores.
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