PA, 26/1/2012
À luz de velhos
motivos, retorna ao palco público a discussão acerca do modelo previdenciário
do setor público, desta vez sob o holofote da implantação do Regime
Complementar de Previdência para os servidores civis da União, objeto do PL
1992/2007, que ora tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados desde
outubro de 2011.
Não é demais lembrar que a
instituição dos fundos de pensão para os servidores públicos vinculados ao
Regime Próprio de Previdência Social de que versa o art. 40 da Constituição da
República tem por fundamento o disposto nas Emendas 20/98 e 41/2003, cuja
materialização, para os servidores públicos federais, foi inserida no Programa
de Aceleração do Crescimento (PAC) como medida fiscal de longo prazo.
Sob tal perspectiva, a discussão
acerca da implantação do Regime Complementar é assunto inevitável em 2012, com
promessa de longos debates acerca das premissas básicas do regime e suas
implicações em ambiente público, mormente no que tange à administração do fundo,
a requisitar conhecimento dos pontos relevantes tratados no PL n° 1992/2007.
O ponto central da implantação do
Regime Complementar para os servidores públicos federais titulares de cargo
efetivo[1]
consiste na prerrogativa de a União, a partir de então, fixar como limite
máximo para o valor das aposentadorias e pensões devidas pelo Regime Próprio de
Previdência Social (RPPS) o teto estabelecido para os benefícios do Regime
Geral de Previdência Social (RGPS), esvaziando, portanto, o regime especial do
setor público da União sob as regras até então concebidas, pelo menos
gradativamente.
Em outras palavras, o servidor
público federal que ingressar no serviço público após a instituição do Regime
Complementar não mais terá direito ao teto de proventos com base na
remuneração da atividade. O teto de seus proventos passará a ser equivalente ao
fixado para os benefícios do RGPS, independentemente de aderir ou não aos
planos de benefícios trazidos pelo Regime Complementar.
Os servidores vinculados ao RPPS[2]
que ingressaram
antes da implantação do Regime Complementar, por sua vez, poderão
aderir ao novo sistema. Para esses, o PL n° 1992/2007 trouxe uma espécie de
incentivo à migração, consubstanciado na concessão de um benefício especial ou complementar,
calculado em razão do tempo de contribuição em que estiveram vinculados ao RPPS,
observado um fator de conversão. O
valor do benefício especial será pago ao servidor optante conjuntamente
com o valor dos proventos de sua aposentadoria pelo RPPS, este último limitado
ao teto de benefícios do RGPS.
O
PL n° 1992/2007, bem como o Substitutivo que está em debate na Câmara dos
Deputados, trazem previsão de prazo para que o servidor vinculado ao RPPS opte
pelo novo regime[3].
Assim, nesse período, cabe ao servidor sopesar o incentivo ao ingresso em face
das muitas variáveis que adornam o regime previdenciário do setor público,
estabelecendo o necessário confronto de vantagens na adesão a partir dos
elementos indicativos do RPPS, a saber: (i) base de cálculo da contribuição a
que se encontra sujeito, correspondente a totalidade dos vencimentos[4];
(ii) tempo de contribuição que falta integralizar para concessão da
aposentadoria pelo RPPS e; (iii) a própria ausência de direito adquirido ao
regime jurídico[5].
De
toda sorte, para elevar o valor de seus proventos os destinatários da norma,
sejam os optantes, sejam os que ingressaram depois da instituição do Regime
Complementar, precisam aderir aos planos de benefícios do novo regime. Para
aderir, entretanto, devem, também, contribuir em percentual previsto na
legislação a ser aprovada[6].
Outro aspecto relevante do PL n°
1992/2007 diz respeito à pessoa jurídica a ser concebida para corporificar a
entidade fechada de previdência complementar, eis que a Emenda Constitucional
n° 41/2003 trouxe inusitadamente a previsão de criação de entidades de
natureza pública para fazer face à administração dos fundos (§ 15 do art. 40), em aparente
conflito com o pilar que sustenta a organização desse tipo de sistema,
eminentemente de natureza privada (art. 202 da CF).
Quanto a esse ponto, deve ser dito
inicialmente que o PL n° 1992/2007 consigna a previsão de criação de apenas uma
entidade, enquanto que no Substitutivo em debate na Câmara dos Deputados a
previsão é de criação de três entidades de previdência, cada qual destinada a um
grupo de servidores públicos: uma para o Poder Executivo, uma para o Legislativo
e outra para Judiciário da União.
A figura jurídica eleita para a
estruturação da entidade fechada de previdência tanto pelo PL n° 1992/2007,
como pelo Substitutivo, foi a fundação com personalidade jurídica de
direito privado. A natureza pública enfatizada no § 15
do art. 40 da Constituição foi explicitada em dispositivo específico, onde
restou delineada a submissão da entidade aos seguintes parâmetros de atuação:
(i) observância das regras federais sobre licitações e contratos administrativos;
(ii) contratação de pessoal[7]
mediante concurso público; (iii) publicidade de seus demonstrativos contábeis,
atuariais, financeiros e de benefícios, sem prejuízo de fornecimento de
informações aos participantes e aos assistidos e ao órgão fiscalizador.
A solução dada pelo PL n° 1992/2007,
embora possa ser discutida sob várias nuances, não desbordou das premissas de
aplicação constantes da Lei Complementar n° 108/2001, que ora consigna a forma
de
fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos, para fazer face à
estrutura organizacional das entidades fechadas de previdência complementar. E o
delineamento da natureza pública da entidade, então explicitado no projeto,
nada mais fez do que tornar visível as sujeições a que está submetida a própria
fundação de direito privado quando criada por ente federado, ou
seja, enquanto pessoa jurídica integrante da Administração Indireta, no caso,
da União[8].
Um último
aspecto a ser observado[9]
diz respeito ao custo com a transição ou instituição do Regime Complementar
pela União que, sabe-se, não deverá ser baixo. Contrariamente, o valor a ser
despendido inicialmente e as perdas com a arrecadação são altos, mas não se
encontra o detalhamento desses gastos na EMI nº
00097/2007/MP/MPS/MF apresentada
pelo Poder Executivo que fez encaminhar o projeto, assim como não se vislumbra
pormenores na análise da Câmara dos Deputados quanto a esse aspecto.
Em verdade, o que a Exposição de
Motivos e os pareceres das Comissões que analisaram o PL n° 1992/2007 na Câmara
dos Deputados deixam assente é que os custos para instituição do Regime
Complementar, em curto prazo, serão altos, seja em razão da instalação da
burocracia necessária ao funcionamento da entidade ou entidades, seja para
tornar viável a sua própria sustentabilidade econômico-financeira e atuarial com
vistas a atrair a adesão ao regime. Para tanto o PL n° 1992/2007, no art. 26,
prevê um aporte de até R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais) a título
de adiantamento de contribuições futuras, enquanto o Substitutivo da Câmara aloca
esse valor, tão somente, para fazer face à instituição da entidade de
previdência dos servidores do Poder Executivo, acrescendo mais R$ 50.000.000,00
(cinqüenta milhões de reais), desta feita repartido entre as entidades fechadas
de previdência a serem instituídas para os servidores do Legislativo e do
Judiciário (R$ 25.000.000,00 para cada). Porém, não constam dos pareceres das
Comissões, nem da Exposição de Motivos os estudos técnicos ou as projeções
utilizadas para se chegar a esses valores.
O PL n° 1992/2007, portanto, se
recente de estudos mais aprofundados acerca do impacto da criação desses fundos
no orçamento público e na economia, bem como de pesquisa de riscos e problemas
de vulnerabilidade do sistema frente ao ônus da gerência do fundo[10],
mormente no que tange à dinâmica do mercado.
A par das diretrizes postas,
vislumbra-se a intenção efetiva de se concretizar a transição para a unificação
dos regimes previdenciários mediante a instituição de uma previdência universal básica
para todos os trabalhadores, seja do serviço público ou da iniciativa privada, a
ser complementada,
por opção do titular do direito, por benefício advindo de contribuições
vertidas ao fundo de pensão instituído para tal finalidade, sob o regime de
capitalização, na modalidade de contribuição definida.
Este o perfil inicial, ainda em discussão, do
Regime Complementar.
Maria Lúcia Miranda Alvares
Maria Lúcia Miranda Alvares
[1] O PL
1992/2007 abrange, ainda, os membros do Poder Judiciário, do Ministério Público
e do Tribunal de Contas da União.
[2] O
Substitutivo apresentado na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara
dos Deputados, que ora recebeu o aval das demais Comissões, deixa visível que o
destinatário da opção é o servidor exercente de cargo efetivo que
não tenha perdido o vínculo com o ente federado.
[3] O PL
1992/2007 prevê prazo de 180 dias, enquanto o Substitutivo dilata o prazo para
24 meses, contados da data de início de
vigência do Regime Complementar.
[4] v.
Art. 4° da Lei n° 10.887/2004, alterado
recentemente pela MP °556, de 23/12/2011.
Com a opção, a alíquota de contribuição passará a incidir sobre o valor
da remuneração do servidor até o limite máximo de benefícios do RGPS.
[5] Por
certo, quem já satisfez todas as condições para a aposentação com base nas
regras pretéritas estará coberto pelo direito adquirido. Porém, o servidor que
se encontra em vias de implementação das condições está sempre sujeito às eventuais
mudanças de diretrizes e regras previdenciárias, fato que pode ser levado a
cotejo diante de fatores estruturais, conjunturais e outros que exercem
influência sobre o regime. No mais, cabe realizar o contraponto com o Regime
Complementar, principalmente no que tange aos valores das contribuições a serem
pactuadas em face da adesão.
[6] A
alíquota da contribuição será definida pelo participante anualmente conforme o
plano de benefícios que aderir e incidirá sobre a parcela que exceder ao limite
máximo de benefícios do RGPS. O
patrocinador, por sua vez, deverá contribuir com alíquota igual ao do
participante, limitada a 8,5%. Não é demais lembrar que os planos de benefícios
do Regime Complementar serão sempre estruturados na modalidade contribuição
definida.
[7] O regime
jurídico de pessoal da entidade foi o da CLT, até mesmo em face da personalidade
privada da fundação, que ora não se coaduna com o regime estatutário.
[8] O que
não se pode esquecer quanto a esse aspecto é que as fundações de direito privado
passam a ter existência jurídica somente após a inscrição da escritura pública
de sua constituição no Registro Civil de Pessoas Jurídicas. A lei somente
autoriza a sua criação. A personalidade jurídica da entidade somente tem início
com o registro civil.
[9] Por
lógico, muitos outros aspectos são interessantes de referir, mas requisitam
extensão de análise que não se amoldam ao propósito da presente consultoria
preventiva.
[10] Toma-se
como exemplo o estudo acerca dos gastos com a administração dos fundos frente à
alíquota e base das contribuições a serem vertidas ao regime.
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